segunda-feira, 9 de março de 2009

OS DIREITOS DOS PAIS


Agora toda a gente fala nos direitos dos filhos e se esquece dos direitos dos pais.

Nunca, como agora, se discutiu tanto a parentalidade – a competência para exercer a função de pai e de mãe – num contexto social em que a educação na família se tornou cada vez mais necessitada de reconhecimento social: hoje toda a gente emite opiniões sobre o que é ser “bom” pai ou dá conselhos sobre a melhor forma de educar os mais novos. Acima de tudo, perdeu-se muito do bom senso, da intuição e do reconhecimento das experiências passadas como fontes inspiradoras da educação: por isso os pais de hoje hesitam ou têm receio de expressar as suas dúvidas ou, o que é mais grave, temem mostrar as suas convicções. A fragilização do elo conjugal e o culto e idealização das crianças e adolescentes (por uma sociedade que despreza os idosos e glorifica a juventude) por certo sustenta este temor de muitos progenitores actuais.

Eu acho que os pais devem lutar pelos seus direitos.

Em primeiro lugar, o direito de poder expressar os seus pontos de vista sem medo, de forma informal, sem necessidade de estruturas que os dizem representar e que não os ouvem: que direito têm certas associações para falar em nome dos pais, se a sua representatividade é diminuta e se, sobretudo, não fomentam a troca de impressões entre famílias? O que é crucial é que os pais ouçam outros progenitores em circunstâncias de vida semelhantes, porque uma família tem diversas áreas de competência e o que uma consegue resolver deve partilhar.

Em segundo lugar, os pais devem também poder mudar de opinião. Alguns pensam que não, julgam que educar é dizer sempre o mesmo, mas erram: mudar de ideias é uma prova de progresso e de autocontrolo: há que procurar ser coerente, mas o medo da inconsistência é um mito moderno e só não muda de opinião quem não tem ideias.

Depois, é bom adiar algumas acções dos pais, para reflectir e para dar possibilidade aos filhos de encontrarem o seu próprio caminho. Uma educação demasiado protectora não conduz à autonomia e faz com que os descendentes fiquem sempre à espera da opinião dos pais, não sendo capazes de diferenciar. No meu livro A Razão dos Avós, procurei demonstrar como a imaturidade de muitos pais de hoje deriva da ausência de procura de autonomia, por via de uma educação demasiado “camarada”, que não permitiu a construção de espaço de liberdade e de aventura, os únicos capazes de fazer crescer.

E os pais também precisam cada vez mais de conhecer o mundo dos filhos, esse é um direito pelo qual têm de lutar. Devo confessar que, para alguns progenitores, o espaço e o tempo junto dos mais novos é vivido como uma maçada: saturados pelo trabalho, querem nos tempos livres estar com os amigos ou sem fazer nada, mas a verdade é que é crucial entrar no mundo dos mais novos. O mundo das crianças e dos jovens é agora tão determinado por forças fora da família (amigos, escola, Internet, televisão…) que quem não luta para entrar nesse mundo fica mesmo de fora. E quando se trata de questões de segurança ou saúde, o dever de intervir dos pais é inalienável: por isso não há outra solução se não a de reconectar filhos e pais, de todas as maneiras que for possível.

Quando os filhos não estão bem, os pais têm o direito de actuar: devem começar por reduzir as críticas, mostrar afectividade e empatia, descobrir um interesse do filho mais ou menos oculto, mas que pode ser potenciado. É um direito dos pais exigir a atenção dos filhos, embora com respeito pela sua privacidade: tudo se poderá resolver se ambas as gerações souberem contar as suas experiências em termos afectivos, não adiando uma conversa que poderá ser esclarecedora.

O século XXI vai ser o da importância do privado, como sempre aconteceu em épocas de crise: por isso a parentalidade responsável e criativa é um dos grandes desígnios do nosso tempo.

Daniel Sampaio

Em Revista Pública de 1 de Março de 2009

(NOTA: O sublinhado é nosso)

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