segunda-feira, 24 de maio de 2010

Uma Exposição e um Desfile de Moda (ou o contrário) num belo cenário.


Uma noite mágica esta de um sábado frio de Maio. Teimando em afastar o calor, em dificultar os movimentos e a evolução das modelos na "passerelle" improvisada. Num espaço lindíssimo, num ambiente descontraído e pleno de história, no coração da “Cividade”, ali onde se acolhe a Casa-Museu de Guerra Junqueiro, as nossas alunas do Curso de Design de Moda trouxeram à ribalta a sua criatividade. Com muito colorido e bom gosto, fizeram desfilar colegas capazes de exprimir um perfil e uma “performance” adequadas ao acto. E pode dizer-se que o “produto” foi abundantemente positivo: Na sensibilidade, na descrição, na elegância e até no recato desta cerimónia que primou, em tudo, por um sinal de maturidade e de profissionalismo que encantaram a quantos lá se deslocaram para ver “a Soares dos Reis a passar” como se fosse a célebre Banda do Chico Buarque. Pais havia-os, como outros familiares e namorados. Mas também professores, mestres orgulhosos da criatividade reveladora de presentes e de futuros voos com muitas exigências, porque a moda é hoje um jogo de altíssima competição e é imperativo ter mais que ideias: ideíssimas! Mas se ela é aquilo que alguns definiram como o “império do efémero” –num certo sentido toda a nossa existência decorre sob o signo da efemeridade, da contingência, do que “deixa de ser ou de valer depressa demais” –ela é ainda a grande fenda aberta por onde passa o signo da Modernidade, a coisa tornada Arte, o adereço por meio do qual o ser humano comunica com os outros tantas emoções ou modos de ser.

Não será necessário recordar aquele dito, mais ou menos chistoso, da grande actriz Ivone Silva quando proclamava num seu popular programa televisivo: “com este vestido preto, eu nunca me comprometo”. Lembro, com saudade, uma colega do grupo de Inglês e Alemão do “velho” Liceu Rodrigues de Freitas, a Julieta Aragão Seia, que um terrível mal levou para além deste mundo, que, sempre bem humorada e cheia de bonomia, proclamava, na sala de Professores, esse insubstituível local de terapia de grupo matinal, que quando se achava mais em baixo psicologicamente, zás, pegava no seu famoso vestido amarelo vivo e tal bastava para “dar a volta” e ganhar ânimo! Assim mesmo, com duas gargalhadas, como se raiasse, de súbito, o sol em pleno inverno.

Sabemos todos que a vida não é fácil, nem o foi nunca. Resistir aos contratempos, reconfortar a alma com alguma alegria, remoçar, alegrar certos dias ou acontecimentos – tudo isso passa por um trapinho novo em cima do pêlo. Bem o sabia a minha tia Ana que, mesmo velhota, gostava de sair à rua com um vestidinho novo, estriando uma qualquer farpelita que lhe viesse dar “novos ares”…talvez para dar conteúdo ao pensamento de Demócrito, velho sábio grego de período chamado pré-socrático que dizia que “uma vida sem festa é como uma longa estrada sem pousada”.

Vale tudo isto para proclamar uma meia verdade: a moda não se justifica, usa-se! E aí reside a sua funcionalidade mais autêntica. Como as palavras escritas ou pronunciadas, uma peça de roupa interpela-nos, convida-nos, comove-nos, exalta as nossas emoções, canta à nossa sensibilidade diversas melodias! Pode ser prosa ou poesia, amar a Deus ou ao diabo, mas ela é sempre a promessa da eterna luta que qualquer ser humano trava com a indiferença e o vazio do sofrimento e da morte…

Por isso, as nossas alunas vieram desfilar à porta de um edifício, romântico por natureza, aprimorando o seu estilo, tonificando a sua e a nossa sensibilidade, puxando os galões do bom gosto que nasce (sempre) do trabalho, do esforço por ultrapassar a banalidade, por insistir na busca da forma ideal. Tal e qual os nossos formandos EFA de Joalharia e de Desenho Gráfico que inauguraram no espaço da Casa-Museu, ao início da tarde, uma mostra das suas actividades criativas, quer em jóias alusivas ao Douro e ao Porto, que nas caixas concebidas graficamente para as guardar. Por aqui perpassa também e seguramente um rio de ideias doiradas, em cujas margens nos sentamos nós, a cismar, como obedecendo à doçura daquele poema sereníssimo de Fernando Pessoa:

«Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.

(Enlacemos as mãos.

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.» (…)

(Ricardo Reis)

Pelo rigor da mostra, pela concepção estética do mostruário que nos apresenta o conjunto, de uma maneira uniforme e com uma iluminação minimalista que empresta uma boa expressividade às peças “efistas”, penso que vale a pena a nossa visita. E já agora para repousarmos os olhos, algo distraídos e retraídos, nas inúmeras patifarias deste mundo, tão televisivamente cansados de más notícias, na beleza repousante da rica colecção de peças ricas de porcelana das Índias, e mobiliário antigo ou uma mostra de Virgens, Senhoras do Leite de vários séculos de cristandade, tapeçarias e outros requintes que o poeta de “Os Simples” e da “Velhice do Padre Eterno” para ali soube ou pôde juntar com gosto.


E louve-se estas parcerias que são fruto de uma forma nova e interessante de “fazer escola” no sentido em que, como dizia uma antiga sentença papal (João Paulo II acerca de Cuba): que a Soares se abra ao mundo e que o mundo se abra à Soares!

José Melo (de Filosofia)

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